Era um fim de tarde silencioso, muito além do normal
na verdade. Provavelmente, porque todos ali ainda se encontravam sobre o efeito
da briga da tarde anterior. Na verdade, tudo se originou a partir de uma tola
discussão entre Caroline e Erik que acabou ficando pior do que se
esperava...
“– Estou pedindo que, por favor, se retire daí. –
disse Erik em tom neutro e educado, que contradizia totalmente sua expressão
facial que se encontrava totalmente distorcida, talvez por uma dor dilacerante
ou por um ódio corrosivo.
- Só pode tá de brincadeira, desculpe-me, mas este
lugar não está demarcado como sendo sua propriedade privada, agora, por favor!
– disse ela em seu habitual tom áspero e grosseiro, com o sorriso mais frio no
rosto. – Deixe-me em paz, estou lendo, se o senhor, com sua mente atrasada,
ainda não notou. – logo em seguida, afundou novamente o rosto no livro e voltou
a ler, ignorando totalmente a presença do jovem, ainda parado a sua frente.
De repente, como se alguém houvesse contado a
história mais hilária do mundo, Erik começou a soltar uma gargalhada sinistra e
aterrorizante, que saía de seu peito e ressoava por grande parte do jardim, e
interior do manicômio. Caroline, sem compreender o que estava acontecendo, por
ser nova no local e achando que o rapaz queria assustá-la, ou quem sabe até
mesmo chamar-lhe a atenção, continuou a ignorá-lo. Bem, na verdade, ela nem
sequer levantou o olhar para ele.
Após alguns segundos, Erik parou bruscamente de
gargalhar, quase como se alguém lhe tampasse a boca, fazendo-o se calar. Naquele momento, uma
rajada de vento frio soprou, fazendo com que as folhas da árvore sob a qual
estavam, se agitassem, e as secas, espalhadas ao chão começassem uma
coreografia quase que ensaiada, que as fazia parecer belos pássaros brindando a
vida.
Neste momento, como se uma força o puxasse para
baixo, Erik jogou-se ao chão gemendo e gritando. As folhas que antes pareciam
lindos pássaros, que traziam algo bom, agora, se tornaram monstruosos corvos e
criaturas desfiguradas, que se assemelhariam a seres cadavéricos vestidos, em
sua maioria, com mantos negros e comidos por traças. Seres que nunca poderiam
significar algo bom, principalmente para Erik. Agora a escuridão tomava conta
de tudo, Erik estava sozinho mais uma vez, preso dentro de sua própria mente,
de seu próprio pesadelo. Os seres vinham atrás dele, parecia que a porta do
inferno se abrira, fazendo com que os soldados do submundo viessem à Terra
cumprir com sua tarefa: levar Erik, fazê-lo pagar pelo seu erro. Sugar até sua
última gota de felicidade. De sanidade.
(...)"até avistar a figura de um homem" |
- Ora, ora, ora. Veja só quem encontramos aqui. Achou
mesmo que tinha se livrado de mim, garoto estúpido? Pensou que me mataria e
sairia impune? Você pode enganar todos esses tolos, que acreditam no garoto
inocente e bonzinho que você finge ser, mas eu sei quem você é. E irei fazê-lo
pagar pelo que fez a mim.
Erik arregalou os olhos, em estado de choque, ao
ouvir as palavras saírem do homem que, além da aparência, também possuía a voz
de seu pai. Lágrimas escorriam pela face do rapaz, que chorava e agonizava
olhando o homem tornar-se mais monstro, e finalmente, se desfazer em pássaros
negros, que voavam de volta para dentro da mente do rapaz. Por fim, a agonia e
a dor de Erik tornaram-se insuportáveis, e ele acaba por desmaiar e cair ao
chão. ”
Erik acordou na ala hospitalar do manicômio, uma luz
fraca entrava pela janela, o que sugeria que o sol já estava se pondo. Ele
sentia uma sensação de nostalgia que o fazia ter vontade de vomitar, que vinha,
principalmente, pelo fato de não se lembrar de como fora parar ali. Pensou em
pedir um copo d’ água, porém quando olhou para o lado, um sentimento de
surpresa tomou conta dele.
- Bom dia bela adormecida. - A voz vinha de Caroline,
dessa vez em tom suave e que sugeria que a bandeira de paz fora estirada. – Tá
melhor?
- Bom dia, na verdade não muito, ficaria melhor se me
explicasse como vim parar aqui. – Erik parecia, de certo modo, constrangido por
ter de perguntar a uma completa estranha algo que ele mesmo deveria saber, mas
sentia algo diferente e preferiu acreditar nela.
- Bem, nós estávamos discutindo, repentinamente, você
começou a gargalhar, e na boa, não foi uma gargalhada qualquer. Alguns segundos
depois, você se jogou no chão, gritando e chutando o ar, e quando finalmente
parou, começou a chorar e gemer, como se estivesse sentindo a maior dor do mundo
e foi quando finalmente você desmaiou. Ah, e também teve um momento em que
parecia pedir perdão, ou implorar por ele, não compreendi muito o que dizia.
Foi então que Erik começou a se lembrar, sabia que
fora mais uma de suas crises causadas pela esquizofrenia. Sabia que as coisas
para ele não tinham sido assim. Porém, não conseguia deixar de pensar no fato
de que a moça ficara lá, enquanto tudo isso acontecia.
- Espere um segundo, você está dizendo que ficou lá o
tempo todo, enquanto acontecia tudo isso? Porque não saiu correndo como uma
pessoa sensata faria? – ele pronunciou estas palavras com muito cuidado, e
quase incrédulo, arqueando uma de suas sobrancelhas
- Bem, em primeiro lugar, se eu fosse uma pessoa
sensata não estaria aqui. E em segundo lugar, não teria sido muito nobre de
minha parte te abandonar lá. Eu sei, melhor que ninguém, que existem momentos
em que nós precisamos ser protegidos de nossas próprias mentes.
- Então, acho que devo lhe agradecer. As pessoas por
aqui não pensam exatamente assim... Como se chama, mesmo?
- Me chamo Caroline, você deve ser o Erik, ao menos
foi o que os enfermeiros me disseram. Erik, o caso perdido. – a última frase
foi dita em tom de zombaria, já que a moça não parecia concordar muito.
Eles passaram o resto da noite conversando. Ali
mesmo, na ala hospitalar. Caroline, às vezes soava grosseira, mas com o tempo
foi deixando que Erik penetrasse suas barreiras. Nada mais justo depois de
vê-lo em um momento de tamanha exposição e fragilidade, como na tarde anterior.
A briga acabou sendo esquecida, e Caroline passou a ver Erik, que acabara sendo
esquecido por quase todos, como um rapaz gentil, educado, e surpreendentemente
sentimental. Ambos acabaram contando um
pouco de suas vidas e de como foram parar ali.
Os dias foram se passando e a cada dia conviviam, e
se aproximavam mais, a árvore que antes fora motivo de discussão, agora era o
local em que passavam grande parte do tempo.
Desde então, toda noite, antes de dormir, aquela voz
ressoava na mente de Erik, a voz de seu pai, que nos últimos dias passou a lhe
atormentar mais que nunca e que agora possuía uma nova vítima...
“-
Vamos meu filho, faça sua próxima vítima, faça com ela o que fez comigo, dê
àquela pobre e infeliz garota o fim tão desejado. Vamos Erik, torne-se um
monstro, seja como eu. Honre a memória daquele, que um dia você tirou a vida.”
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