sexta-feira, 11 de outubro de 2013

O grande culpado


Culpado! – determinou o juiz diante do tribunal em 1994, quando tinha apenas dezesseis anos. Fora preso por ser “entregador” de drogas, trabalhava para um grande traficante de uma das favelas do Rio de Janeiro. Morava com o pai, na Baixada Fluminense, a mãe havia morrido no parto. Vivia teoricamente bem, o pai era médico cirurgião, vivia a maior parte do tempo no hospital, sendo talvez esse o motivo pelo qual Davi entrara para o tráfico, era um garoto presunçoso, mas ao mesmo tempo carente.
Passou dois anos no reformatório, onde fora estuprado por um dos guardas. Isso tornou Davi reprimido. Ao ser libertado, o psicólogo do reformatório indicou ao pai que fosse levado ao psiquiatra duas vezes ao mês. “Como se fosse mudar algo”, pensava ele. Foram seis meses de terapia.
Foi em 1997 que ele entrou para a faculdade, estudou teologia. Após graduar-se passou a morar sozinho em uma pequena casa cedida pela paróquia, que trabalhava na periferia da Baixada.
- Bom dia, Sr. Barnard, que bom que chegou!
- Hã...pode me chamar de Eduardo, padre. - Eduardo era um homem que um dia fora muito rico, mas seu vício em bebidas o levou à ruínas, perdendo a mulher e o filho. Passando a morar numa pequena casa, na periferia, pagando aluguel, que de fato estava sempre atrasado, por ameaças do dono, decidiu pedir ajuda ao padre Davi.
- Tudo bem. Aqui estão as Bíblias de que lhe falei e os panfletos. – disse entregando-lhe uma caixa pesada, que fazia parecer que os frágeis braços do velho não aguentariam – Mas antes, – disse hesitante – sabes tu que faço isso, porque me pedistes, não é mesmo?
- Não se preocupe padre Davi, meus lábios estão selados.
- Muito bem – disse sorrindo e entregando-lhe a caixa pesada.


“JOVEM É ASSASSINADO EM BELFORD ROXO, EM 20 DE AGOSTO”, anunciava a primeira página do jornal Foco Regional, o que mais instigou a curiosidade dos leitores, foi que o jovem havia sido marcado com uma cruz no centro do peito e uma pequena passagem da Bíblia logo abaixo: “TODOS SOMOS TENTADOS POR DESEJOS DE COISAS QUE DEUS PROIBIU. (TIAGO 1:14-15)”, a reportagem trazia também que a vítima era homossexual, tal crime assustou e perturbou a população de modo geral.


- Ora, mas aonde vais com tanta pressa, seu Eduardo? – disse a vizinha abelhuda, com seus grandes olhos escuros fixos na mala que o homem carregava embaixo dos braços.
- Mas que cousa Marlene, vou sair, velha intrometida! – disse esbaforido, sentindo o sangue ferver nas veias, saiu apressadamente do local. Partiria para o litoral, precisava tratar de negócios.
- Esse velho deve “tá” aprontando. – bufou a velha, quando Eduardo já estava distante.


Um mês se passou desde o último ultraje, e o jornal anunciava “COM 24 ANOS, HOMOSSEXUAL É MORTO NO LITORAL FLUMINENSE”, mais uma vez possuía uma cruz marcada em seu peito, com a seguinte frase: “TODAS AS OUTRAS RELAÇÕES SEXUAIS SEJAM HOMOSSEXUAIS OU HETEROSSEXUAIS SÃO SEMPRE E ABSOLUTAMENTE PROIBIDAS (HEBREUS 13:4).”.
A polícia percebendo que não se tratava de um simples assassino, mas em série, buscou investigar melhor o caso. As testemunhas afirmaram não ter visto nada de anormal, apenas horas antes um vendedor de Bíblias, passando de casa em casa.


Davi seguia com sua vocação religiosa, e era muito prestigiado após suas celebrações, o povo o adorava. Seu pai agora se casara de novo e dera-lhe uma irmãzinha, que já completava cinco anos. Tudo corria muito bem para Davi e sua família, seu pai comentava com curiosos, que Deus o salvara de uma vida medíocre e miserável.


- Bom dia, minha senhora, gostaria de comprar uma Bíblia? – disse amavelmente.
- Não quero, agora saia! – disse asperamente, liberando uma nuvem negra de fumaça pelos lábios, enquanto outra pequena mulher de cabelos encaracolados se junta a ela.
- Quem é este, Milena? – disse enrugando a testa.
- Não é ninguém, venha. – disse tascando-lhe um beijo e a puxando para dentro.
- D-desculpe atrapalhá-las, senhoritas, tenham um bom dia. – disse o velho, com um sorriso amarelo.


20 de outubro.
            - Olhe cá Amélia, mais um assassinato. – dizia Marlene à filha.
            - Leia para mim mamãe, quem foi desta vez?
            - Duas mulheres, Cássia e Milena, namoradas, a frase desta vez foi: “POR CAUSA DISSO, OS ENTREGOU DEUS A PAIXÕES INFAMES; PORQUE ATÉ AS MULHERES MUDARAM O MODO NATURAL DE SUAS RELAÇÕES ÍNTIMAS POR OUTRO, CONTRÁRIO À NATUREZA. (ROMANOS 1:26-27).”. Que Deus as tenha, pobres meninas.


- Capitão, ainda nenhuma pista significativa, o que faremos?
- Precisamos de mais pistas, o que há de comum entre os crimes? Antes eu pensava que talvez fosse um serial killer de homens homossexuais, mas este me surpreende, nosso homem é mais complexo do que me parecia.
- O que temos senhor: ele mata apenas homossexuais e todos possuem a mesma cruz, talvez devêssemos investigar sua procedência. O que achas?
- Tudo bem, cuide disso.


- Querido pároco Marcelo, venho pedir-lhe uma semana para minha família e eu, seria possível?
- Mas é claro Davi, acho mesmo que precisa de um descanso depois de tanto esforço e comprometimento para conosco, concedo-lhe esta semana, divirta-se.
- Obrigado, mas só sirvo as vontades de meu Deus. Parto dia dezoito de novembro. Até mais.
Davi leva toda a família para Copacabana. Uma semana usufruindo do sol escaldante diante de uma praia exuberante, num hotel luxuoso, com uma varanda voltada para as ondas do mar, que visão!
Convidado pelo pároco da igreja Nossa Senhora de Copacabana e Santa Rosa de Lima, presidiu a missa do domingo, às 8h e 30min. Foi uma honra, dizia ele ao pároco. Davi parecia jubiloso e ao mesmo tempo preocupado e nervoso, algum sentimento o tomava e o tirara dali por alguns instantes, seu pai teve de chamar sua atenção duas vezes por estar tão disperso. Sentia-se estranho, seu estômago remexia, sentido que algo ruim haveria de acontecer e não demoraria. Passaram-se alguns minutos em que buscara em sua mente o que lhe preocupara tanto, então, sabia, era dia vinte de novembro.


21 de novembro, era segunda feira, correu ver o noticiário da manhã. Estalou os olhos.
“- Sim, Sandra, mais de 200 pessoas morreram ontem à noite na boate GLS Le Boy, em Copacabana. A perícia diz que a causa foi a inalação contínua de acetileno, as câmeras revelam que quando as primeiras pessoas começaram a sentir os sintomas, as demais tentaram escapar, mas as portas estavam trancadas por fora. Ninguém imagina como isso ocorreu, os moradores afirmam não ter visto nada anormal. Na fachada como você pode observar, há uma frase bíblica: "NÃO VOS ENGANEIS: NEM IMPUROS, NEM IDÓLATRAS, NEM ADÚLTEROS, NEM EFEMINADOS, NEM SODOMITAS . . . HERDARÃO O REINO DE DEUS" (1 CORÍNTIOS 6:9-10).”.A polícia acredita que o crime tenha relação com os outros três ocorrido na Baixada Fluminense.. – não queria terminar de assistir, deitou-se na cama pensativo, o que faria agora?


20 de novembro, 22h e 30min.
            Não, ele não poderia continuar com isso, são pessoas inocentes, e, bem, utilizar a Igreja e o nome do próprio Deus, para poder se livrar de um fardo, que era somente seu, ele deveria ser preso. Sua consciência já não suportara mais tudo isso. Andava de um lado para o outro, suspirando dolorosamente, sua mente estava um reboliço. Mas, afinal, o que ele poderia fazer, condenado a uma vida miserável, perdera tudo.
            Parou, ouviu atentamente: sirenes se aproximando, sabia, havia sido descoberto. Quando pensou em sair dali, se esconder, já era tarde, o pegaram.


Alguém bate a porta.
- Entre.          
- Desculpe-me capitão, mas o homem que pediu já está esperando.
- Tudo bem, vou vê-lo – disse levando-se abruptamente e à passadas largas alcançou a pequena sala branca, que continha apenas uma luz incandescente ao centro, deixando o clima mais tenso, sentou agilmente na cadeira, cruzou os dedos em cima da mesa e disse calmamente ao homem que jazia do outro lado:
- Senhor Eduardo Barnard, certo?
- S-sim s-senhor. – estremeceu o velho.
- Sabes o senhor o porquê de estar aqui, não é?
- Não senhor. – vagarosamente abaixou os olhos, como um cão culpado.
- Ora Sr. Barnard, não sejas tímido, conte-me tudo e eu o ajudarei. – disse o capitão, com um sorriso dissimulado.
- D-desculpe-me, senhor, mas não sei do que falas.
- Peço-lhe que não me tires a paciência.
- Tudo bem, eu conto. Estava vendendo aquelas Bíblias mais caras, e senh... – ele não terminara a frase e fora interrompido:
- Basta! Tu mataste mais de 200 pessoas e mostra-te ingênuo? Mas que sacanagem! – disse o homem, que agora parecia ainda maior, socando com força os punhos fechados sobre a frágil mesa. O velho põe-se a chorar freneticamente, cobrindo o rosto com suas mãos calejadas.
- Tu estiveste vendendo suas Bíblias em todos os lugares em que houve os assassinatos, mera coincidência? Eu digo que não, meu caro. Sua vizinha disse-nos que tu vivias às pressas e nunca dizia aonde ias, tinha crises horripilantes com Deus, em tua casa encontramos a máquina de escrever, que por acaso tinhas as mesmas letras garrafais dos papéis pregados com taxinhas nos corpos das vítimas. Por fim, em umas das vítimas encontramos tuas digitais, o que mais queres? – o homem não respondera, apenas soluçava, não detinha o conhecimento da persuasão, permaneceu calado, rezando. – Prendam-no! – vociferou, com o olhar coberto de ódio, o filho do capitão morreu naquele dia 20 de novembro na boate Le Boy.
O que ninguém sabia era que Eduardo também havia perdido seu filho no meio desses assassinatos, Frederico era seu nome, um menino gentil, que expirava alegria, fora a segunda vítima, ia encontrar um amigo no Litoral, após passar a tarde com o pai, que estava a trabalho lá, vendendo suas Bíblias, mas é claro que encontraram suas digitais, Eduardo só não sabia como se proteger, era um pobre miserável.
 – Só não compreendo, contudo, as frases bíblicas e o dia vinte em todos os assassinatos, mas afinal não se pode entender a mente de um louco. – resmungou o capitão, assim que levaram o homem.


- Senhores e senhoras do júri, eu o declaro culpado. Cumprirás prisão perpétua. – disse por fim, o juiz, acreditando, imaculadamente, que fazia a coisa certa.
Lá no fundo da assembleia, encontrava-se Davi, disfarçado, ouvindo firmemente a tudo e todos, nenhuma acusação ou uma tênue linha de pensamento deveria virar o jogo para si, o grande culpado. Ele planejara tudo assiduamente, foram-se anos de organização, nada, absolutamente nada deveria dar errado. Os primeiros crimes foram fáceis, sua primeira vítima foi estrangulada e marcada com a cruz da salvação, haveria de ser salvo no céu, pensara o padre. O mais difícil mesmo foi matar todas aquelas pessoas de uma vez só, exigiu muito dele, porém, um mágico nunca revela seus segredos, ele ainda não acreditava que o velho fora descoberto com tanta facilidade, “droga, não devia ter matado seu filho nojento!”, pensou arrependido, mas o que importava é que ainda estava a salvo e cumprira o mandato que Deus lhe designava: livrar o mundo de toda a perversidade. Entendia que não livraria todo o mundo, mas pelo menos livrara o mundo daqueles que matara, agora eram menos 280 pecadores no mundo. Ia parar por aí, ou não, talvez um dia, ainda se vingasse daquele que lhe tirou sua dignidade, em vinte de abril de 1995.

Ficha Biográfica



Davi Magalhães


Davi

·        Nascimento: 6 de fevereiro de 1978.
·        Local: Baixada Fluminense (RJ).
·        Estatura: 1,70m.
·        Homem robusto e presunçoso.
·        Olhos cor de âmbar míope, com óculos em formato retangular.
·        Cabelos castanho-escuros.
·        Pele caramelada.
·        Carente, muitas vezes bondoso e carismático.
·        Beato.
·        Participou do tráfico.
·        Passou dois anos no reformatório.
·        Aos 19 anos entra para faculdade de teologia.


Eduardo Barnard


Eduardo

·        Nascimento: 20 de maio de 1963.
·        Local: Parati (RJ).
·        Estatura: 1,67m.
·        Aparência envelhecida.
·        Olhos verdes opacos com ar de melancolia.
·        Pele caucasiana e flácida.
·        Cabelos castanhos escuro com fios já brancos.
·        Homem ágil e assustado.
·        Encantador quando sóbrio e educado.
·        Beato.
·        Mente bagunçada por conta do vício e estilo de vida.
·        Divorciado da mulher e sem a guarda do filho.
·        Vende Bíblias para conseguir sobreviver ao perder todo o seu dinheiro.

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Psicose: Terceiro Capítulo - Case-se Comigo.

As semanas foram se passando, Caroline e Erik se aproximavam a cada dia mais, agora passavam quase o dia todo juntos, parecia que uma centelha de esperança se acendia em ambos, e que, talvez, um pouco de alegria nascesse em seus corações. Parecia haver uma melhora em Caroline, apesar de estar quase sempre melancólica e silenciosa, quando estava com Erik uma luz passava a brilhar em seus olhos. Porém, algo a inquietava há alguns dias. Ela percebera que algumas horas do dia, Erik simplesmente sumia, e mesmo não se sentindo no direito, tinha uma curiosidade e certo rancor pela descrição da parte dele, mesmo para com ela. Com o tempo, ele começou a perceber que o comportamento dela mudava sempre que reaparecia e achou justo dizer a ela onde se metia, dizer não, mostrar.
- Venha Caroline, confie em mim, ok? – Erik parecia ter adotado uma postura mais brincalhona com ela, depois que se conheceram melhor, mas agora parecia tenso.
- Ah, claro, todo mundo confia em um esquizofrênico, principalmente quando ele a leva para um lugar, cujo você não sabe qual é, e fazer sabe-se lá o que. - disse ela zombando da cara dele. Normalmente, ele teria se sentido ofendido, mas já se acostumara ao temperamento dela, e sabia que, ela não tinha medo nenhum dele, sabia disso desde que conversaram pela primeira vez. – Sério Erik, onde está me levando?
- Espere, já estamos chegando, venha, dê-me sua mão, pode ser que esteja um pouco escuro lá.
Eles estavam descendo as escadas que levavam aos porões do manicômio, normalmente os pacientes não tem acesso a estes lugares.  Bom, vantagens de se ter dinheiro. Erik tinha razão, estava muito escuro lá embaixo, as escadas eram bem íngremes e um pouco tortas, por este motivo Caroline achou melhor seguir o conselho dele e segurar sua mão. Finalmente, chegaram a um lugar plano, ainda estava muito escuro até que uma luz se acendeu, após Erik tatear a parede e encontrar um interruptor. Os olhos de Caroline demoraram um pouco a se adaptar a claridade, levou um pequeno susto quando viu, a uns três metros de onde estavam parados, que havia um lindo piano de calda preta. Este por sua vez, parecia ser único naquela sala, e sua beleza era tamanha que o fato de as paredes serem emboloradas e o lugar úmido, nem importavam tanto.
- O que isso faz aqui, hein? – perguntou Caroline apontando, meio pasma, para o piano.
- Minha mãe mandou que o trouxessem pra cá, para que eu pudesse tocar durante minha, hã... estadia aqui.
- Espera um pouco, não me disse que tocava. – Caroline olhou de cara feia para Erik, que lhe lançou um olhar de desculpas, enquanto se aproximava do piano e puxava o banco; abriu o piano deixando as teclas à mostra, e posicionou-se à frente dele.
Enquanto Caroline olhava, Erik começou a tocar perfeitamente uma música, que depois ela foi descobrir que se chamava “A fada do bosque” (Lorenzo Fernandez). Erik fez uma linda interpretação da música, o que fez com que Caroline soltasse alguns suspiros, e baixasse um pouco a guarda. Quando o rapaz parou de tocar, ela sentou-se ao seu lado no banco que Erik usou para tocar, e ficaram ali por um tempo, conversando e vez ou outra, Erik tocava uma música. Contou sobre sua curta carreira na sinfônica, e ao parar de falar, uma tristeza tomou conta dele, como se nunca mais fosse sentir a sensação de subir ao palco, as borboletas no estômago que antecediam cada apresentação que fazia. Foi quando viu o olhar triste dele, que, Caroline se aproximou e o beijou. Fora um beijo doce e delicado no começo, mas que com o tempo ganhou intensidade, e o desejo tomou conta dos dois, tornando-o devastador e sensual. Erik e Caroline agora estavam de pé. Ele a puxou para seus braços, que agora estavam em volta do delicado corpo da garota. Caroline entrelaçava seus dedos pelo desgrenhado cabelo dele, puxando seu rosto mais para perto. O desejo queimava dentro de seus peitos, e quando por fim se separaram, ambos estavam ofegantes.
Quando se deu conta do que havia acontecido, um rubor impossível de não ser notado tomou conta do rosto de Caroline. E Erik, meio envergonhado pelo ocorrido, deu um sorriso de lado, uma forma de se desculpar e de agradecer.
Logo após o beijo, decidiram que era melhor e mais coerente que subissem antes que os enfermeiros dessem falta deles. E inevitavelmente, quando deram as mãos para enfrentar mais uma vez a escuridão, um sorriso tímido apareceu em seus rostos.
Erik acabara de se deitar para dormir, quando ouviu um gemido. Neste momento ela já sabia o que estava por vir...
- Você está ficando pior do que eu pensava, hein... meu amor. Se aproveitando da garota antes de dar o bote. – a voz na cabeça de Erik agora era de uma mulher, e para piorar, o aterrorizava como nunca. – Não se apaixone por ela, querido, você sabe que pertence a mim, mate-a logo, acabe com isso e venha para mim, venha para meus braços, deixe-me fazer de você o homem que nenhuma outra mulher jamais irá fazer. - Erik tentava resistir, tentava não pensar no que a voz lhe dizia, mas isso ficava cada vez mais difícil.
A voz continuou a lhe atormentar por mais um longo tempo, com juras de amor, falas obscenas e com pedidos sem cabimento. Então, Erik fechou os olhos, e tentou esquecer o que a voz lhe dizia, dessa vez não foi tão difícil, já que não conseguia deixar de pensar no beijo que acontecera um pouco mais cedo. E quando fechou os olhos, o sono logo tomou conta de seu corpo e a inconsciência de sua mente.
Caroline repousava em seu quarto. Estava mais melancólica do que de costume, pela falta que Erik lhe fazia. O medo de perdê-lo e de ser abandonada era incessante. Acabara por adormecer pensando nele.

“Era uma tarde ensolarada, Erik e Caroline estavam à frente de dezenas de pessoas, e pela primeira vez, em muito tempo, ambos se sentiam felizes por completo. Caroline estava radiante em um longo vestido branco, com detalhes prateados que realçavam a palidez de sua pele, fazendo-a resplandecer por tamanha beleza, tão pura e virginal quanto a dos anjos que tocavam as trombetas nos reinos dos céus, anunciando o amor puro e verdadeiro que nutriam um pelo outro. Os pais de Erik estavam lá, assim como suas irmãs. Os pais de Caroline ao lado suas tias, e de algumas crianças, com as quais a moça crescera e que se apegara, ainda que bem pouco. O casamento estava sendo realizado em uma linda praia, com ondas quebrando ao fundo e algumas lindas gaivotas voando ao longe. O padre que realizava a cerimônia era um senhor de bastante idade e de bochechas rosadas; muito sorridente, parabenizava os noivos, que ele dizia ser o casal mais belo que já casara. Erik em um terno preto e sob medida, parecia um príncipe aguardando sua linda dama que ia a seu encontro, para, em breve, tornar-se sua amada e respeitada esposa. Erik nunca estivera tão nervoso e com tanto medo, em pouco tempo teria a responsabilidade de ter em seus braços a mulher mais perfeita de seu mundo. Caroline andava em sua direção, e quando suas mãos se tocaram, um choque leve percorreu por seus corpos, a eletricidade entre eles era tão forte que parecia palpável naquele lugar. Após trocarem juras de amor tão lindas, que fizeram com que grande parte dos que assistiam a cerimônia derramassem algumas lágrimas de emoção, de trocarem as alianças e receber a benção do padre, Erik inclinou-se para tocar os lábios de sua amada esposa....”

Caroline acordou chorando, após ter aquele lindo sonho com Erik, sentia uma nostalgia que fez seu estômago se revirar ao perceber que não passara de uma ilusão. Não entendia como podia estar acordada àquela hora, sabendo que os antidepressivos deveriam fazê-la dormir por toda à noite. Foi ao pensar nisso, que se deu conta de que havia mais alguém no quarto, de início pensou ser algum enfermeiro, passando para ver se estava tudo bem, mas foi só quando viu os profundos olhos de Erik, que percebeu a presença do rapaz.
Erik estava com uma faca empunhada à mão. A escuridão dificultava a visão da moça, que conseguia ver apenas  Erik aproximando-se lentamente, e com um golpe rápido e preciso, cortou-lhe a jugular, fazendo com que o sangue da moça jorrasse por todo lado, manchando inclusive as mãos e as vestes, que em pouco tempo ficaram empapadas do líquido quente e espesso.
- Pronto meu amor, agora poderemos ficar juntos, eles irão nós deixar em paz, no paraíso você será meu eterno anjo, e todas as vozes irão finalmente se calar, os monstros nunca mais irão nos machucar. – com uma pausa e um suspiro melancólico, repleto de dor e agonia, Erik prosseguiu. - Pronto papai, pode se orgulhar de mim agora, pode descansar e enfim partir em paz. Vamos Caroline, meu amor, vamos viver em nosso próprio paraíso, vamos perpetuar nosso amor ao lado dos anjos e deixar para trás todos aqueles que nos feriram e impediram de sermos felizes.
Dizendo isso, Erik ergueu a faca ao alto e com uma força descomunal proferiu um golpe em direção ao próprio peito. Acertando em cheio, seu coração.
Seu corpo caiu ao lado do de sua amada, e por fim, ambos tiveram na morte a paz nunca encontrada na vida, o sangue que jorrava de seus corpos se misturavam, formando o elixir da vida, representando o amor, a pureza e a esperança de um lugar em que suas almas pudessem, enfim se elevar e descansar, lado a lado, em paz.


sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Psicose: Segundo Capítulo - Muito Prazer.

Era um fim de tarde silencioso, muito além do normal na verdade. Provavelmente, porque todos ali ainda se encontravam sobre o efeito da briga da tarde anterior. Na verdade, tudo se originou a partir de uma tola discussão entre Caroline e Erik que acabou ficando pior do que se esperava... 

“– Estou pedindo que, por favor, se retire daí. – disse Erik em tom neutro e educado, que contradizia totalmente sua expressão facial que se encontrava totalmente distorcida, talvez por uma dor dilacerante ou por um ódio corrosivo.
- Só pode tá de brincadeira, desculpe-me, mas este lugar não está demarcado como sendo sua propriedade privada, agora, por favor! – disse ela em seu habitual tom áspero e grosseiro, com o sorriso mais frio no rosto. – Deixe-me em paz, estou lendo, se o senhor, com sua mente atrasada, ainda não notou. – logo em seguida, afundou novamente o rosto no livro e voltou a ler, ignorando totalmente a presença do jovem, ainda parado a sua frente.
De repente, como se alguém houvesse contado a história mais hilária do mundo, Erik começou a soltar uma gargalhada sinistra e aterrorizante, que saía de seu peito e ressoava por grande parte do jardim, e interior do manicômio. Caroline, sem compreender o que estava acontecendo, por ser nova no local e achando que o rapaz queria assustá-la, ou quem sabe até mesmo chamar-lhe a atenção, continuou a ignorá-lo. Bem, na verdade, ela nem sequer levantou o olhar para ele.
Após alguns segundos, Erik parou bruscamente de gargalhar, quase como se alguém lhe tampasse a boca,  fazendo-o se calar. Naquele momento, uma rajada de vento frio soprou, fazendo com que as folhas da árvore sob a qual estavam, se agitassem, e as secas, espalhadas ao chão começassem uma coreografia quase que ensaiada, que as fazia parecer belos pássaros brindando a vida.
Neste momento, como se uma força o puxasse para baixo, Erik jogou-se ao chão gemendo e gritando. As folhas que antes pareciam lindos pássaros, que traziam algo bom, agora, se tornaram monstruosos corvos e criaturas desfiguradas, que se assemelhariam a seres cadavéricos vestidos, em sua maioria, com mantos negros e comidos por traças. Seres que nunca poderiam significar algo bom, principalmente para Erik. Agora a escuridão tomava conta de tudo, Erik estava sozinho mais uma vez, preso dentro de sua própria mente, de seu próprio pesadelo. Os seres vinham atrás dele, parecia que a porta do inferno se abrira, fazendo com que os soldados do submundo viessem à Terra cumprir com sua tarefa: levar Erik, fazê-lo pagar pelo seu erro. Sugar até sua última gota de felicidade. De sanidade.
(...)"até avistar a figura de um homem"
Os cadáveres puxavam-no pelas vestes, pelos pés, e por qualquer outra parte do corpo dele que pudessem alcançar. Erik, na tentativa de impeli-los agarrava-se a grama, cravando as unhas na terra fria e úmida, tentando, inutilmente, se manter seguro ali, e proferindo chutes na direção dos seres que lhe aterrorizavam, quase como um toque de mágica, todos os monstros e corvos desaparecem. Agora Erik está mais uma vez só, na escuridão de sua mente, ao menos é o que ele pensava até avistar a figura de um homem, ao pé da árvore onde minutos atrás se encontrava Caroline. O desconhecido está todo vestido de preto, porém com um terno que lembra muito os ternos caros e chiques, que seu pai costumava usar quando vivo. Isso faz com que ele olhe com mais atenção, e é quando se dá conta de que o homem é, na verdade, seu pai. Mas, havia algo diferente no homem que Erik via, era como se o homem que um dia ele tanto amou e respeitou, agora tivesse se fundido aos demônios que o perseguiam. Metade homem, metade monstro.
- Ora, ora, ora. Veja só quem encontramos aqui. Achou mesmo que tinha se livrado de mim, garoto estúpido? Pensou que me mataria e sairia impune? Você pode enganar todos esses tolos, que acreditam no garoto inocente e bonzinho que você finge ser, mas eu sei quem você é. E irei fazê-lo pagar pelo que fez a mim.
Erik arregalou os olhos, em estado de choque, ao ouvir as palavras saírem do homem que, além da aparência, também possuía a voz de seu pai. Lágrimas escorriam pela face do rapaz, que chorava e agonizava olhando o homem tornar-se mais monstro, e finalmente, se desfazer em pássaros negros, que voavam de volta para dentro da mente do rapaz. Por fim, a agonia e a dor de Erik tornaram-se insuportáveis, e ele acaba por desmaiar e cair ao chão. ”

Erik acordou na ala hospitalar do manicômio, uma luz fraca entrava pela janela, o que sugeria que o sol já estava se pondo. Ele sentia uma sensação de nostalgia que o fazia ter vontade de vomitar, que vinha, principalmente, pelo fato de não se lembrar de como fora parar ali. Pensou em pedir um copo d’ água, porém quando olhou para o lado, um sentimento de surpresa tomou conta dele.
- Bom dia bela adormecida. - A voz vinha de Caroline, dessa vez em tom suave e que sugeria que a bandeira de paz fora estirada. – Tá melhor?
- Bom dia, na verdade não muito, ficaria melhor se me explicasse como vim parar aqui. – Erik parecia, de certo modo, constrangido por ter de perguntar a uma completa estranha algo que ele mesmo deveria saber, mas sentia algo diferente e preferiu acreditar nela.
- Bem, nós estávamos discutindo, repentinamente, você começou a gargalhar, e na boa, não foi uma gargalhada qualquer. Alguns segundos depois, você se jogou no chão, gritando e chutando o ar, e quando finalmente parou, começou a chorar e gemer, como se estivesse sentindo a maior dor do mundo e foi quando finalmente você desmaiou. Ah, e também teve um momento em que parecia pedir perdão, ou implorar por ele, não compreendi muito o que dizia.
Foi então que Erik começou a se lembrar, sabia que fora mais uma de suas crises causadas pela esquizofrenia. Sabia que as coisas para ele não tinham sido assim. Porém, não conseguia deixar de pensar no fato de que a moça ficara lá, enquanto tudo isso acontecia.
- Espere um segundo, você está dizendo que ficou lá o tempo todo, enquanto acontecia tudo isso? Porque não saiu correndo como uma pessoa sensata faria? – ele pronunciou estas palavras com muito cuidado, e quase incrédulo, arqueando uma de suas sobrancelhas
- Bem, em primeiro lugar, se eu fosse uma pessoa sensata não estaria aqui. E em segundo lugar, não teria sido muito nobre de minha parte te abandonar lá. Eu sei, melhor que ninguém, que existem momentos em que nós precisamos ser protegidos de nossas próprias mentes.
- Então, acho que devo lhe agradecer. As pessoas por aqui não pensam exatamente assim... Como se chama, mesmo?
- Me chamo Caroline, você deve ser o Erik, ao menos foi o que os enfermeiros me disseram. Erik, o caso perdido. – a última frase foi dita em tom de zombaria, já que a moça não parecia concordar muito.
Eles passaram o resto da noite conversando. Ali mesmo, na ala hospitalar. Caroline, às vezes soava grosseira, mas com o tempo foi deixando que Erik penetrasse suas barreiras. Nada mais justo depois de vê-lo em um momento de tamanha exposição e fragilidade, como na tarde anterior. A briga acabou sendo esquecida, e Caroline passou a ver Erik, que acabara sendo esquecido por quase todos, como um rapaz gentil, educado, e surpreendentemente sentimental.  Ambos acabaram contando um pouco de suas vidas e de como foram parar ali.
Os dias foram se passando e a cada dia conviviam, e se aproximavam mais, a árvore que antes fora motivo de discussão, agora era o local em que passavam grande parte do tempo.
Desde então, toda noite, antes de dormir, aquela voz ressoava na mente de Erik, a voz de seu pai, que nos últimos dias passou a lhe atormentar mais que nunca e que agora possuía uma nova vítima...
            “- Vamos meu filho, faça sua próxima vítima, faça com ela o que fez comigo, dê àquela pobre e infeliz garota o fim tão desejado. Vamos Erik, torne-se um monstro, seja como eu. Honre a memória daquele, que um dia você tirou a vida.”

quarta-feira, 26 de junho de 2013

Psicose: Primeiro Capítulo - O âmbito da loucura.

Erik
Era hora de acordar; a campainha soou, sendo a única forma rápida de acordar todos os doentes que havia ali.  Aquele fora o primeiro toque, significando que dentro de vinte e cinco minutos, o segundo toque viria a soar, este por sua vez significava que todos já deviam ter se banhado e colocado suas respectivas vestes. Deveriam estar apostos, esperando que um enfermeiro batesse à porta do quarto, levando-lhe o primeiro coquetel de remédios do dia. O medo crescia dentro de alguns, fazendo com que estes, falhamente, tentassem se esconder nos lugares mais patéticos imaginados. Atrás da porta, embaixo da cama ou até mesmo atrás de uma pequena banqueta, localizada à frente de uma simplória mesinha fixada à parede, onde ficavam algumas folhas e (para alguns privilegiados) canetas ou lápis.
Os remédios já haviam sido consumidos pelos pacientes, portanto era hora de ir para o café da manhã, que normalmente ocorria no deprimente refeitório do hospital psiquiátrico. Dizer que o refeitório era deprimente, na verdade era enfeitá-lo mais do que o merecido, na realidade era muito pior. As paredes eram cinza, encardidas, graças ao descuido e pela falta de pintura. O piso de linóleo, em estado ainda pior que o das paredes, ensebado e mal cheiroso, exalava um cheiro azedo a vômito, quase tão presente quanto a cara fechada e o mau humor da cozinheira. Na verdade, seus dons culinários não eram muito diferentes da carranca presente na face mal humorada da velha.
Os pacientes iam descendo as escadas e se acomodando às, mesas após pegarem suas bandejas de café da manhã, que continham um mingau de aveia de aspecto monstruoso, um suco de sabor indecifrável e uma laranja, que era, provavelmente, o alimento mais atrativo da bandeja. As mesas tinham capacidade para quatro pessoas. Alguns dos pacientes sentavam-se juntos para o desjejum, conversavam e por alguns segundos, pareciam esquecer suas realidades e até mesmo se divertirem rindo de seres imaginários ou de histórias medonhas, que contavam uns aos outros.
A maioria dos pacientes vestiam calças de moletom largas para seus corpos, que quase sempre, eram ou magros demais ou gordos demais, mas isso dependia do efeito do remédio que cada um tomava. As camisas eram simples, quase sempre sem nenhuma estampa ou detalhe e os calçados variavam entre chinelos de dedos e tênis, quase sempre sem cadarços. Os cortes de cabelos eram, talvez, a única coisa que mostrava de modo ainda superficial um pouco da personalidade de cada um, variavam entre cabelos raspados (mesmo entre as mulheres) até moicanos, dreads e todo tipo de penteado que se possa fazer em até vinte e cinco minutos.
Ao longe, da maioria dos pacientes, se encontrava um jovem que comia, solitário. Era o tipo que não se espera encontrar num lugar como aquele, já que visto de longe, por um olhar desatento, exalava saúde. O rapaz era inegavelmente muito bonito. Possuía cabelos negros, ainda úmidos do banho, que tomara ao acordar, caindo-lhe sobres os olhos. Estes por sua vez, de um azul inacreditável. Possuía lábios finos e rosados. O rapaz trajava um grosso moletom cinza, com toca e bolso estilo canguru, e era, talvez o único dali, a usar calças jeans pretas e por fim um all star surrado.
Quase todos que estavam internados ali, sabiam o porquê da estadia do jovem naquele lugar. Seria quase impossível não saber, já que o rapaz apresentava um quadro de esquizofrenia, que vez ou outra, assustava até mesmo os médicos que lhe acompanhavam durante o tratamento, e que só aceitaram pegar o caso, em troca de muito dinheiro, considerando que a maioria dos outros médicos apresentava grande relutância com relação a aceitar o tratamento do garoto.
O rapaz vinha de família rica, e, portanto lhe eram oferecidas certas regalias que aos outros pacientes era impossível de se conseguir. Como, por exemplo, os médicos, ele era o único no lugar que possuía uma equipe que trabalhava em um constante ritmo alucinante, tentando quase que em vão, arrumar um coquetel de remédios capaz de amenizar os sintomas da esquizofrenia que o garoto sofria, porém tudo o que conseguiram fora deixá-los ainda mais intensos e perigosos, tanto para o garoto quanto para aqueles que conviviam com ele.
Há pouco tempo, sua família passara por uma grande perda. O Sr. Jonson estava esperando pela família do lado de fora do majestoso teatro de Juliard, após uma das últimas apresentações de seu filho, que antes de descobrir a esquizofrenia era o pianista prodígio da orquestra sinfônica de seu estado, quando de repente , o pai fora assaltado por um grupo de bandidos, que lhe apontaram a arma para a cabeça e sem piedade atiraram. Após conseguir tomar posse de todo o dinheiro do homem, os bandidos fugiram e nunca foram pegos, já o Sr. Jonson acabara morto e sua família desmoronada. Ao menos, fora essa a história contada à imprensa e aos policiais. A verdade... Ah, essa está bem longe de ser a verdade.
Alguns meses depois do incidente, o jovem Erik é diagnosticado com esquizofrenia, após uma grave crise. Sua mãe, desesperada e sem saber o que fazer, acabou internando-o naquele lugar terrível, achando que era o melhor para ele, e que colocando um batalhão de médicos cuidando do caso, seu filho voltaria a ser o garoto prodígio que sempre fora. Mal sabia ela que tudo iria piorar.
Caroline

Aquele era um dia de muita confusão e alvoroço no hospital, pois chegavam alguns novos pacientes, a maioria vinha transferida de outro hospital, que fechara após denúncias de experiências não aprovadas pelas famílias e que iam contra todos os princípios éticos da medicina. Muitos dos pacientes precisaram ser medicados com doses cavalares de calmantes. Entre os novos pacientes, um se destacava, na verdade uma, Caroline, uma jovem cheia de cortes espalhados pelo corpo, e que mesmo entre todos estes cortes ainda possuía uma beleza única. Era uma adolescente de não mais de dezoito anos, cabelos loiros, esbranquiçados, que iam até a cintura da jovem, seus olhos eram cinzas e tristes, pareciam deixar a quem ousasse olhá-los por um longo período de tempo, em uma tristeza profunda, capaz de fazer até a pessoa que mais a odiasse, sentir piedade. Sua pele era tão branca que podia se comparar ao brilho do luar, possuía certo ar angelical, porém carregava consigo um dom natural de afugentar as pessoas que dela tentassem se aproximar.
Ela vivera grande parte da infância em um orfanato, sempre tivera muitas crianças ao seu redor, mas sempre fora muito solitária, evitava ao máximo o contato com outras crianças e com os adultos, sem exceção. Seus pais morreram em um acidente de carro, quando ela tinha apenas três anos, fora rejeitada pelas tias, e como não tinha ninguém mais, fora parar ali. Nunca se queixara.
Por ter um comportamento anti-social fizeram-na passar por mais psicólogos do que o aconselhável para uma criança de sua idade, porém tratava-os com o mesmo descaso com que tratava todos com quem convivia. Sua frieza era algo surpreendente, nunca chorava, nem quando chegavam casos de crianças, já grandes, que perdiam os pais, nem quando suas tias, vez ou outra, iam visitá-la e tratavam-na como lixo. Quando completara quinze anos, fora adotada por um casal que, na verdade, parecia ser perfeito, o homem um executivo famoso e a mulher uma exemplar dona de casa; não tinham outros filhos, a guarda fora concedida mais fácil que o de costume. Em pouco tempo, Caroline passa a morar com o casal. Os problemas começaram a aparecer, quando Caroline se apaixonara por um garoto de sua escola. O homem, enlouquecido de ciúmes,  muda-a de escola e a proíbe de ver o garoto. Poucas semanas depois, o ciúmes obsessivo acaba sendo explicado, Caroline é estrupada por ele. A mulher sabe de tudo, mas finge não ver nada. Caroline desamparada e não tendo ninguém em quem confiar, já que suas tias agora só vão visitá-la em busca do dinheiro, que sua família adotiva possui e o rapaz por quem se apaixonara, agora estava interessado em outra garota, ela acaba não dizendo nada a ninguém e sofrendo em silêncio.
Após vários outros estupros por parte do pai adotivo, Caroline entra em uma depressão terrível, passa a se automutilar, e Henry Miller (seu pai adotivo), desesperado, com medo de ser descoberto, manda-a para o hospital psiquiátrico. A partir disso, Caroline se torna mais reclusa e calada do que nunca.
Pouco tempo depois de ser internada, percebe que há algo errado naquele lugar, durante o alvorecer ouvia gritos e gemidos que só podiam ser fruto de uma dor insuportável. Mas não há o que fazer, não há para quem pedir socorro. Por fim, acaba ficando naquele lugar por mais dois anos, até que as experiências acabam sendo descobertas e os pacientes transferidos.
Caroline e os outros pacientes chegaram ao novo hospital, no fim da tarde, ou seja, dali a trinta minutos seria servido um lanche que antecederia o jantar. Não conhecendo ninguém do lugar, além é claro, alguns que foram transferidos com ela, e nem tendo vontade de conhecer, vai para o único lugar que poderia ser considerado um pouco menos desagradável, o “jardim” do manicômio. Assim que sente o cheiro de ar puro e grama cortada, seu humor quase sempre ríspido e grosseiro melhora instantaneamente, mesmo o céu estando em um tom cinza tão profundo quanto seus olhos, ela decide ir sentar-se embaixo de uma árvore velha que tinha as raízes tão grandes e grossas que saíam do chão. Após sentar e abrir um livro, enquanto lia o seguinte trecho de um poema:

"É tudo tão doloroso

para mim, cada pincelada é
dor...
um erro e
todo o quadro é
arruinado...
você nunca vai entender a
dor ... " (Charles Bukowski)
...Percebe um jovem olhando-lhe fixamente, deixando-a, repentinamente, muito irritada. Sua irritação chega a um nível assustador ao ouvir um pigarro baixo vindo do jovem, o que provavelmente antecederia a tentativa de uma conversa. Bom, o jovem começaria a falar, mas não seria bem uma conversa. 

Psicose


Resenha

A narrativa conta a história de amor entre dois jovens, que passam por problemas fora do considerado comum e que por obra do destino acabam internados no Hospital Psiquiátrico São Pedro, onde se conhecem. Caroline, de temperamento forte e melancólico e Erik, recluso, de um mundo do qual fora obrigado a deixar de fazer parte. O jovem casal descobre um no outro a felicidade e o amor jamais encontrado antes e que acaba fazendo dos um dois um só.
A história se passa em um manicômio nas redondezas do município de Porto Alegre, no ano de 1998. 


Hospital Psiquiátrico São Pedro